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Histórias unidas pelos
laços da adoção

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Adoção

O quanto durou a gestação de seu filho ou filha? Nove meses? Sete? Um ano? Dois? Ou quem sabe ela esteja por começar, ainda que o ser responsável por preencher todos os espaços do seu coração já tenha nascido. 


Você pode considerar as primeiras linhas desse editorial estranhas e desconexas, mas, para um número crescente de pessoas, filhos e filhas nascem do coração, não do ventre, e chegam com diferentes períodos de preparação, etnias e idades. 


Estamos falando de adoção e da capacidade de amar além de pré-conceitos, herança genética ou passado. As próximas páginas desse caderno abordam o tema de diversos ângulos, desmistificando o processo judicial, apresentando os desafios e compartilhando histórias que transbordam carinho, dedicação, cuidado e paciência. 

Houve um tempo em que adotar era sinônimo de segredo, mas, atualmente, grande parte da sociedade entendeu que não cabe sigilo ao amor. Dessa forma, a conversa sobre o assunto se tornou aberta, franca e consciente. A adoção deixou se der um tabu, mas, nem por isso, as dúvidas acerca dela desapareceram. 


Por conta disso, nossa equipe deu voz a pais e filhos adotivos, magistrada, assistente social, psicóloga, pessoas que aguardam pela chegada dos filhos e diversos envolvidos no processo para expor, debater, esclarecer e, por consequência, emocionar. 


Os laços de amor independem de sangue, nascem da entrega, da empatia e da escolha de ser família.  

Histórias

Histórias

Clique e conheça mais

Adoção
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Emilio e Marcia

desejo de começar o dia como filhos e terminá-lo como pais

Emilio e Marcia Glienke compartilham o sentimento de aguardar pelo toque do telefone com a notícia de que a família está completa

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Uma gravidez diferente: Emilio e Marcia estão na fila de adoção há pouco mais de dois anos. Foto: Laura Sfreddo

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Uma gestação demorada, diferente e surpreendente, mas que, ao fim do processo, compensa a espera com a dádiva de ser pai e mãe. Essa é a expectativa de Emilio Glienke e Marcia Lilian Jelonschek Glienke, de 46 e 44 anos, respectivamente. Há pouco mais de dois anos, o casal se tornou apto a adotar e espera desde então que o filho (a) ou filhos (as) os encontre para completarem, enfim, a família.


A decisão de adotar surgiu de forma muito natural, pois Marcia já sabia que não poderia ter filhos biológicos e que esse seria o caminho pelo qual se tornariam pais um dia. No entanto, precisaram passar por diversas fases da vida, amadurecer e conhecerem melhor um ao outro para que pudessem, juntos, dar esse grande passo. 


Foi em 2019 que Emilio e Marcia iniciaram o cadastro na Comarca de Pomerode, processo que durou cerca de quatro meses para finalização e, com isso, se tornarem aptos. “Depois, é só na espera”, contextualiza Emilio. “É um processo bem interessante, tivemos todo um preparo”, completou a esposa. 


Durante esses anos, receberam algumas consultas acerca do interesse em adotar crianças que estavam fora do perfil definido pelo casal, por motivos pessoais e também financeiros, não foi possível aceitar. Houve uma oportunidade, entretanto, que os fez sentir como se o momento houvesse chegado, mas, como não eram os primeiros da fila, não conseguiram voltar para casa com o filho ou filha nos braços. “Nós ficamos bastante animados, deu aquela ansiedade, óbvio. Encerrou este processo e nós permanecemos na fila de adoção, por enquanto não há nenhuma consulta, mas posso estar falando aqui agora contigo e de repente ter uma nova oportunidade”, evidencia Emilio de forma esperançosa. 


Para eles, o desafio tem sido longo, mas o que nunca deixam morrer é a vontade, presente a todo momento no coração dos futuros papais, de conhecer seu filho e dar um rosto para um amor que já é tão vívido. Esse é um sentimento muito visível nos olhos, falas e gestos do casal. 

Ouça o podcast

Apesar do desejo latente pela chegada da notícias que transformará para sempre a vida do casal, Marcia pratica diariamente a lição de não focar o pensamento inteiramente nisso e, ainda que pareça impossível, a continuar levando a vida normalmente. “Você acorda pensando que pode ter uma ligação e, com isso, começar o dia como filho e terminar como pais. Isso acontece muito, mas tem que seguir a vida, não pode parar tudo por conta disso”, expõe. Ela esclarece ser necessária uma preparação psicológica para, assim, conseguir receber os filhos da melhor forma possível. 


Conviver com a incerteza não é uma tarefa fácil para quem está à espera de conhecer o maior amor que pode existir. Emilio e Marcia passam por essa etapa há dois anos e já adquiriram muito conhecimento sobre o assunto. “Costumo dizer que Deus sabe a hora certa, a criança certa para os pais certos. Ficamos nessa expectativa, nessa espera, mas é uma gestação bem longa e diferente, é do coração, da alma e uma hora terminará”, reflete ele.  Por isso, mesmo que o tempo esteja passando, o casal sente que o filho ou filhos estão a caminho e, no momento certo, a família estará unida. 


Da mesma forma que já imaginam o dia em que sentirão o amor de pai, já se preparam para os possíveis desafios que também estão por vir. Emilio e Marcia entendem que não são eles que escolhem uma criança, mas sim que a decisão está na mão dos pequenos. “Quando chega uma criança com o perfil, temos o tempo de convívio, mas se ela não se adaptar a nós, não vamos ser os pais dela, a criança que vai nos escolher”, afirmam.


Outro ponto comentado por eles é de crianças que são destituídas da família e, por consequência, chegam ao novo lar com traumas que só o tempo, o amor e o cuidado podem curar. O casal compreende que a criança tinha uma família, uma vida, uma casa e, ao perder tudo isso, precisa aprender a conviver com outras pessoas até estar liberada para ser adotada.

“O desafio é longo, mas não tem como focar só nisso, você acorda de manhã pensando que pode ter uma ligação. Acorda como filho e pode terminar o dia como pais”
Marcia Lilian Jelonschek Glienke

Por isso, elogiam o trabalho jurídico desenvolvido em Pomerode. “Eu gostei muito da forma com que foi feito. É família, você está trabalhando com uma criança e o futuro dela, o trabalho tem que ser muito bem elaborado para não gerar mais um trauma na criança”, completa Emilio. 


Por enquanto, a espera continua, mas o sentimento de que o momento de ser papais está chegando é cada vez mais intenso e nítido dentro do coração do casal. Emilio e Marcia mantêm a certeza de que o filho está em algum lugarzinho e só falta achá-los. 


Enquanto a oportunidade não chega, só restam as expectativas crescentes a cada dia. Da dúvida de como serão como pais, compartilham da mesma opinião: Emilio será o responsável por ensinar a fazer bagunça e Marcia terá que “fazer a parte chata” e precisará controlar, colocar regras, cobrar e brigar, inclusive com o marido também, comentam aos risos.


Fora isso, a criação tradicional, com valores e respeito, que também lhes foi passada, será compartilhada com o filho ou filhos. Mesmo que entendam que os tempos são outros, com situações e realidades diferentes, pretendem dar condições melhores para os filhos do que tiveram no passado. “O principal para nós é que a criança saiba respeitar os outros, as regras, seguir a lei, são coisas que devemos primar.”


Para o futuro filho ou filhos do casal, eles deixam um recado especial: 

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Primos: Ryan, Ana e Fabrício agradecem pela oportunidade que tiveram de ter um pai e uma mãe. Foto: Laura Sfreddo

Acreditamos que a inspiração vem de longe ao admirarmos cantores, influenciadores digitais ou jogadores de futebol. E isso pode sim acontecer. Mas ela também reside mais perto do que imaginamos e, às vezes, está ao lado. É olhando para nossos familiares, amigos e os que estão próximos a nós que podemos admirar decisões e deixar que nossas próprias vidas sejam impactadas pelas ações deles. Esse foi o caso da família Glau, que viu a adoção transformar e completar a todos.


Tudo começou no decorrer dos anos de 2004 e 2005, período em que Suelen Denise Trettin Teske descobriu um tumor no ovário. Após alguns procedimentos cirúrgicos e percalços pelo caminho, uma notícia inesperada veio à tona: com apenas 17 anos, ela se tornou estéril. Demorou algum tempo para que toda situação fosse digerida e ela recuperasse a saúde. Depois disso, em uma conversa franca com o agora ex-marido, a decisão de adotar foi tomada, dando início a uma longa espera.


Dois anos e sete meses foi o tempo que estiveram na fila como pretendentes. O tão esperado dia chegou de mansinho e virou a vida do casal de cabeça para baixo, da melhor forma possível. Como precisavam atualizar o cadastro na Comarca de Pomerode a cada semestre, foram chamados para fazê-lo. 


Ao fim, a juíza pediu para conversar com ambos. “Ela nos disse que tinha um neném esperando na outra sala e que, se a gente dissesse sim, seria nosso filho”, conta. Suelen descreve a chegada de Ryan como algo mágico. Quando saiu de casa no início da tarde, não imaginou que, em poucas horas, se tornaria mãe. 

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Inspiração que transforma
vidas

Fila de adoção
No Brasil, até o dia 8 de dezembro de 2021, havia 32.784 famílias pretendentes à adoção. Em Santa Catarina, esse número é 2.736, o quinto estado com mais pretendentes. Em Pomerode, até dia 15 de setembro de 2021, 19 famílias estavam na fila.  

Família Glau possui dois casos de adoção e conta sobre a experiência

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“Eu não tinha uma peça de roupa, eu não tinha uma fralda, nem mamadeira, nada. E foi mágico, ele tinha apenas três dias de vida e foi uma emoção que não cabe no peito, não tem como explicar”
Suelen Denise Trettin Teske

Inesperado: Suelen recebeu a oportunidade de adotar Ryan quando ele tinha apenas três dias de vida. Foto: Arquivo pessoal

Suelen ainda não sabe explicar o que sentiu. Mas, sobre esse dia, recorda que transbordou de amor. O momento em que a porta abriu e deu espaço para o encontro entre eles sempre estará na sua memória. “Ele era minúsculo, tinha somente dois quilos e 400 gramas, muito pequeno, tão indefeso e já tinha passado por tanta coisa”, descreve.


Depois do encontro, um dos primeiros empecilhos encontrados foi em relação à falta de enxoval para a chegada de Ryan, que tinha apenas três dias de vida. O casal não possuía sequer uma peça de roupa, fralda ou mamadeira, mas era “pegar ou largar”, como lembra. “Foi uma emoção que não cabe no peito e não tem como explicar.”


Depois do mix de sentimentos ao encontrar o filho, receberam uma hora para sair e comprar o que fosse necessário para levá-lo para casa. Sem pensar duas vezes, Suelen pegou o telefone e ligou para a mãe que, segundos após receber a notícia, desligou o celular “na cara” da filha. Ela ainda não sabia, mas a felicidade da matriarca tinha sido tanta que tratou de ligar para toda família e, juntos, começaram a providenciar a lavação de roupas que tinha pertencido às sobrinhas logo após o nascimento, para que Ryan tivesse o que vestir. Além delas, a sogra também foi avisada. “Ela não esperava e só acreditou quando chegamos em casa.”


Uma das tias de Suelen que a ajudou no início foi Suzana Hornburg Glau. Ela lembra de todos os detalhes da chegada do novo sobrinho. “Foi um dia bem bonito, lavamos toda roupinha, estava todo mundo lá esperando por ele.” Talvez tenha sido durante esse momento, ou na junção de vários, que a atitude de Suelen se tornou inspiradora. 

Orgulho: depois de muitos desafios e superação, o olhar de admiração entre mãe e filho. Fotos: Laura Sfreddo

A chegada do Ryan aumentou ainda mais o desejo que a Suzana e o marido, Rildo Ricardo Glau, já tinham em adotar. A ideia de se tornarem pais adotivos havia passado por diversas vezes na cabeça do casal, porém o medo sempre prevalecia. Quando viram de perto, na família, essa experiência, não pensaram duas vezes: a hora tinha chegado. 


Foi vendo o amor de Suelen e do ex-marido pelo pequeno que entenderam o que já estava guardado dentro dos seus corações e só precisava de um empurrãozinho para exalar. “O amor não tem diferença, seja por um filho biológico ou adotivo. O amor que criamos por uma criança não vem da barriga, mas sim do coração.”, declara Suzana. 


A partir disso, entraram para a fila de adoção. Como não restringiram o perfil, não demorou muito para que recebessem a primeira ligação, mais especificamente depois de dois meses. Infelizmente, devido a alguns empecilhos, não conseguiram finalizar o processo. O mesmo aconteceu outras vezes. No ano seguinte, mais uma ligação. Dessa vez, a definitiva.


Era dia 31 de outubro, feriado em Pomerode. A voz do outro lado do telefone perguntava se o casal estava na fila de adoção. Quando a resposta foi positiva, o questionamento foi sobre aceitariam um menino de seis anos. Como Suzana não estava perto do marido, disse que possivelmente sim, mas que precisaria conversar primeiro com o companheiro que estava fora de casa, trabalhando. Como resposta, recebeu uma nova pergunta: se aceitariam receber em seu lar a irmã, de quatro anos. “Nos mandaram uma foto deles e eu e minha sogra não conseguimos dormir a noite inteira”, admite.


No dia seguinte, 1º de novembro, ocorreu a tomada de decisão. Coincidentemente, também é aniversário da Suzana, que acredita ter recebido o maior dos presentes. Em conjunto, ligaram de volta e combinaram de ir em 2 de novembro até uma cidade do Rio Grande do Sul, onde as crianças viviam. “Fomos até lá e foi amor à primeira vista”, afirma a mãe.


O casal ficou dois dias conversando e tendo contato com Analise e Fabrício. Quando retornaram para casa, voltaram decididos de que seriam os pais deles. Os dias foram passando, cada ligação se transformava em um novo aprendizado e dava seguimento ao processo de falar com as crianças sobre a adoção. Em uma dessas oportunidades, Ana, na inocência de uma criança, os questionou: “Vocês não querem vir buscar a gente? Pode ser de bicicleta, não precisa ser de carro”. 


Rildo e Suzana retornaram para o abrigo mais uma vez antes de iniciarem o processo de adoção. Desta vez, levaram uma bolsa com fotos do casal e outros objetos que tinham por objetivo deixar claro que o casal logo seria pai e mãe deles. Além disso, conseguiram ter a liberdade de ficar com Ana e Fabrício no hotel. Ao fim do período juntos, a despedida foi novamente difícil, mas dessa vez, ainda pior.


Depois do retorno para casa, souberam que o filho mais velho levava a foto do casal consigo ao tomar banho, na escola, dizia durante as aulas e para os colegas que ele teria um pai e uma mãe e que moravam longe, mas logo iriam buscá-lo. Tudo isso fez o coração apertar de saudade e anseio. 


Quando, enfim, puderam buscar os filhos para se tornarem um só coração, foram surpreendidos pela recepção da família no retorno para casa. A mãe de Rildo havia preparado tudo, o local estava todo enfeitado e muitos parentes e amigos esperavam para acolher os novos membros. 


Admitem que o começo não foi fácil, principalmente pela adaptação das duas partes, mas o amor pelos filhos vence todos os desafios. Com a vinda dos dois, o casal mudou completamente, mas de forma muito natural. Hoje, Ana e Fabrício são prioridade na vida deles. “Quando você vira mãe e vamos comprar uma peça de roupa, por exemplo, é primeiro para eles, depois para a gente”, evidencia a Suzana.


Além disso, Rildo fala sobre a experiência de terem adotado irmãos. Muitos comentaram que a atitude era “loucura”, mas a resposta foi sempre sincera, genuína e clara: “Se damos conta de um, damos conta de dois. Além disso, para brincar é bom sempre ter dois. Jamais me arrependi dessa decisão.”

Uma ação que inspira outras


Quando Suelen soube que a tia e o marido entrariam para a fila de adoção, não conseguiu encontrar palavras para explicar o que sentiu. Para ela, saber que foi fonte de inspiração é gratificante e, por isso, agradece a Deus pela oportunidade de ser mãe de Ryan e por Ana e o Fabrício serem tão felizes. “O que me marca é que peguei o Ryan dia 25 de maio e, exatamente nesse dia, é o Dia Mundial da Adoção. Deus é tão maravilhoso que a gente não consegue explicar.”


Suzana e Rildo também sentem o mesmo dos filhos. Durante a vida corrida, em que trabalhavam o dia todo e ela ainda estudava à noite, Ana e Fabrício vieram quando o espaço para eles já estava aberto. “Foi tudo na hora certa”, reflete o pai. 


E essa corrente de amor não parou por aí. A adoção continua inspirando outros integrantes da família, dessa vez, foi pela parte de Rildo. Isso porque um dos seus primos também decidiu adotar e está passando pelo período de adaptação. “Da mesma maneira que eles ficaram felizes pela gente, talvez eles também já tivessem a mesma vontade de adotarem um dia. Ele é padrinho do Fabrício, acreditamos que lá no fundo tem um pouco de incentivo nosso”, afirmam. 

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Felicidade: não demorou muito para que o amor de pais e filhos se encontrasse. Fotos: Laura Sfreddo

Desafios e superações


Adotar é fácil? Não, assim como não é para nenhuma mãe ou pai biológico. Os problemas existem, vão surgindo com o tempo e com o passar dos anos, mas o importante é sempre tentar vencê-los. Às vezes, conseguem de forma mais simples. Em outras é necessário uma ajuda externa e um empurrãozinho. Seja como for, ao fim, sempre se dá um jeito, pois o amor de pai e mãe é muito maior que qualquer desafio que possa surgir. Suelen, Suzana e Rildo comentam sobre as dificuldades encontradas no começo da convivência com os filhos. 


Os pais de Ana e Fabrício, por exemplo, por terem os adotados quando já eram maduros para entender o que haviam enfrentado, precisaram enfrentar o medo contínuo dos filhos em serem abandonados novamente. No início, Rildo já estava trabalhando, mas Suzana estava de licença. Como consequência, eles demandavam a presença da mãe 100% do tempo, inclusive na hora de dormir. Quando a família saía de casa, os dois não deixavam o lado dos pais em nenhum momento.


A filha mais nova, inclusive, passou por períodos de bastante ciúmes com a mãe, em que nem o pai ou o irmão podiam chegar perto, quem dirá pessoas de fora da família. Para que ela conseguisse entender e trabalhar esse aspecto, foi necessário acompanhamento psicológico. 


Já em relação ao processo de adoção de Ryan, Suelen também precisou enfrentar grandes desafios. Quando falamos sobre adoção de recém-nascido, todos pensam que, nessa situação, não há como surgir problemas. No entanto, não ter um histórico sobre a criança faz com que obstáculos nasçam pelo caminho. 


Suelen e o então marido tinham optado por aceitar crianças de até três anos, mas acabou que o filho veio com apenas três dias. No início, sérios problemas envolvendo a saúde de Ryan foram enfrentados pela família. O pequeno sofreu duas convulsões e, com isso, diversos exames foram realizados para detectar as causas. Ele tomava diversos remédios, além de chorar dia e noite. “Foi uma coisa desesperadora, o médico pergunta se já houve casos de convulsão na família e você não sabe dizer... E, ainda por cima, é difícil obter essa informação”, ressalta. 


Ao fim, descobriram que a mãe biológica dele era usuária de drogas e o que Ryan enfrentava, de certa forma, era a abstinência química. Quando o menino completou três anos e meio, pôde interromper o uso contínuo de medicamentos, mas, até lá, foram dias, meses e anos conturbados. No entanto, Suelen destaca: “Nunca passou pela minha cabeça desistir ou que eu não daria conta. Hoje, ele está aí, grandão”, afirma olhando para o filho de forma orgulhosa. 

Arquivo pessoal_DIA DA PRIMEIRA VISITA QUANDO SE CONHECERAM AINDA NO PROCESSO DE ADOÇÃO.jp

Lembrança: Ana e

Fabrício foram

adotados quando

tinham seis e

quatro anos,

respectivamente.

Foto: Arquivo

pessoal

Entre brigas e acertos, o amor de primos


Fabrício e Ana estão agora com 15 e 13 anos, respectivamente. Já Ryan está com 11 anos. A idade próxima entre os três só evidencia ainda mais a amizade e companheirismo que têm um com o outro. “São muito amigos”, relata Suelen. “Se morassem mais perto, não iam se largar”, completa Rildo.


O amor de primos é muito parecido com o de irmãos. Em um momento, alegria total. Em outro, um pequeno desentendimento gera uma briga coletiva que precisa de intervenção para ser apaziguada. Com Fabrício, Ana e Ryan não poderia ser diferente. “Não vou dizer que eles não brigam, às vezes, precisamos ir lá no meio, mas são muito apegados um ao outro”, destaca Suzana. 


Em relação ao que mais gostam de fazer juntos, o mais velho afirma que conversar, o que ficou claro durante a entrevista com a Família Glau. Já o mais novo destaca os jogos e brincadeiras. “Gostamos de jogar no celular e no computador”, explica. 


Sobre terem sido adotados, os três agradecem a oportunidade que tiveram de ter um pai e uma mãe, além da família, que tanto os ama. Ana não lembra muito bem de quando o processo aconteceu, mas se tem uma coisa que recorda é que ficou muito feliz. Fabrício tem na memória o momento em que todos estavam os esperando em casa. 


“Me sinto muito feliz, porque eles são boas pessoas de quem nós podemos seguir o exemplo”, relata Ana. “Eu só quero agradecer por tudo que tenho hoje”, finalizou Ryan com o sorriso de quem sabe que é muito amado.  

Desmistificando o processo de adoção

Dra. Iraci Schiocchet tira as dúvidas mais comuns acerca do tema

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Experiência: Dra. Iraci mantém no coração os diversos casos de adoções que atuou durante os anos de carreira. Foto: Laura Sfreddo

Quando o assunto da adoção surge, ainda há muitos questionamentos sobre o processo, um deles é sobre a forma utilizada para determinar que uma criança ou adolescente está apto a ser adotado, ou então, se é realmente tão complexo o caminho para que os pretendentes se tornem pais e mães adotivos. Para esclarecer essas e outras dúvidas, a juíza de Direito e titular da 1ª Vara da Infância e Juventude da Comarca de Pomerode, Iraci Satomi Kuraoka Schiocchet, explica as nuances que envolvem o tema. 


Com 20 anos de atuação na Comarca de Pomerode e 28 na área da Infância e Juventude, Dra. Iraci descreve ser recompensador trabalhar com os processos de adoção. Presenciar todo o ritual envolvido, como preparar as crianças e adolescentes para uma nova família, vê-los conhecer os novos pais e, posteriormente, acompanhar de longe o amor, cumplicidade e carinho crescendo entre eles é o que a faz permanecer na área. 


Por isso, afirma ser gratificante unir filhos e filhas a pais que aguardam pela chegada deles há muito tempo. Ela admite que os únicos dias de harmonia e felicidade no seu trabalho são os dias que o tão esperado encontro acontece. “Costumo dizer que sou a cegonha”, reflete com um largo sorriso no rosto. 


Tamanha é a dedicação despendida por Dra. Iraci nos casos de adoção que o escritório, além de sua vívida memória, é repleto de lembranças das adoções em que atuou durante tantos anos objetificando unir corações. “Os dias mais emocionantes e felizes são os que envolvem processos de adoção, mesmo com todas as suas complexidades.”


Com a vasta experiência adquirida ao longo dos anos, a magistrada já presenciou casos em que sentiu que os pais estavam na fila como uma forma de caridade. Por muitas vezes, ouviu que se todo adulto adotasse uma criança, não teriam mais crianças no abrigo. Diante disso, ela dá um conselho a quem está interessado em se tornar pretendente: “A primeira coisa que os pais devem saber é que somente se adota uma criança pelo desejo de ter um filho. Existem casais que adotam 20 crianças e isso não é desejo de ser pai, é para outros fins.”
Como ainda há muitas dúvidas sobre o assunto, a juíza esclareceu os principais questionamentos que surgem quando a adoção aparece nas rodas de conversa. 

“Os dias mais emocionantes e felizes são os que envolvem processos de adoção, mesmo com todas as suas complexidades”
Dra. Iraci

Há muitas crianças esperando para serem adotadas?

Um senso comum da população, quando o assunto surge, é que há muitas crianças para serem adotadas e, em contrapartida, muitos pretendentes na fila. Segundo eles, o maior problema é a burocracia do processo. 


De primeira mão, a juíza destaca: é preciso desmistificar a crença de que existem muitas crianças aguardando pela adoção. Grande parte das crianças está em abrigos de forma temporária, ou seja, por alguma situação transitória e passageira que provavelmente as possibilitará retornar ao convívio familiar em breve. 

O que leva a criança ou adolescente à destituição do Poder Familiar?

A destituição do Poder Familiar é uma medida judicial de extrema gravidade, pois é através dela que os pais que falharam no cumprimento de seus deveres para com os filhos menores de idade são definitivamente proibidos de exercer tal encargo.


De acordo com Dra. Iraci, isso ocorre, principalmente, quando há a violação dos direitos da criança ou adolescente, são exemplos desse quadro a negligência, abandono, violência psicológica, física ou sexual. Já o tempo do processo depende de alguns fatores.

A mãe pode abrir mão do filho durante a gestação?

De acordo com a magistrada, a mãe tem o direito de decidir entregar o filho para a adoção ainda no período gestacional. Para isso, a gestante deve procurar o Poder Judiciário, a oficial da infância ou assistente social e informar o desejo. Após isso, passa a ser acompanhada, toda a equipe de saúde fica informada e não pode mais ocorrer nenhuma tentativa de influenciá-la a ficar com o bebê ou a entregar a cuidados de outra pessoa sem o processo legal. “A saúde física e emocional dela passa a ser acompanhada e, no momento que a genitora tem o bebê, a criança entra para o processo de adoção”, pontua. Nesses casos, a mãe não tem direito de escolher quem serão os pais adotivos. 

A mãe pode voltar atrás da decisão de entregar o filho para a adoção?

Durante a gestação, a mãe pode ainda refletir se quer ou não entregar voluntariamente o bebê para fins de adoção e, mesmo que volte atrás, o Poder Judiciário ainda a acompanha para ver se, futuramente, não rejeitará a criança. No entanto, depois de entregar, não há mais possibilidade de retorno. 

Como é a adoção de grupos de irmãos?
Sempre que possível, a Justiça tenta manter os grupos de irmãos juntos no mesmo círculo familiar. Quando isso não é possível, faz-se uma adoção casada, em que três ou quatro casais são convocados para uma conversa, é questionado se aceitam o compromisso de manter a convivência entre os irmãos, mesmo que adotados por famílias diferentes, para manter o contato. 

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Família Glau
Dra. Iraci
Infográfico 1
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Esther

percurso que une o amor
de pais e filhos

Assistente social explica sobre a fila de adoção e os aspectos que envolvem o assunto

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Assistente social: Esther evidencia a importância do preparo das crianças e adolescentes disponíveis à adoção. Foto: Laura Sfreddo

Assim como há uma fila para quem está à espera de um transplante de órgão, há também uma fila para os que aguardam para conhecer pela primeira vez, ou ampliar, o amor de pais. De acordo com a assistente social da 1ª Vara da Infância e Juventude da Comarca de Pomerode, Esther Claudia Siebert Zipf, o cadastro dos pretendentes é informatizado e, quando há uma criança ou adolescente disponível para a adoção, o sistema busca de forma automática as famílias que se encaixam no perfil. “Nós falamos em uma lista, mas não é uma lista que segue apenas a ordem cronológica de entrada, depende das características que os pretendentes aceitam”, explica. 


De forma simples, o sistema mostra, em ordem, as famílias que aceitam o perfil da criança ou adolescente disponível. Em seguida, a juíza analisa os primeiros cadastros e, posteriormente, chama os pretendentes que se encaixam no perfil, respeitando a ordem cronológica de entrada no cadastro. 


Todo esse cuidado é tomado pensando exclusivamente nas crianças e adolescentes. Esther afirma que as ações são sempre em favor deles. “A lógica não é achar um filho para aquela família, é achar pais para aquela criança. Isso, felizmente, foi algo que mudou ao longo dos anos.”


Um dos medos dos que estão pensando em adotar é em relação à família biológica. No entanto, nos casos em que há Destituição do Poder Familiar, todos os laços são cortados. Inclusive, quando recebem a informação de que esse processo ocorrerá, inicia um trabalho com a criança ou adolescente para explicar o que virá a seguir. Em relação a isso, Esther salienta sobre a importância de prepará-los para serem inseridos em uma nova família. Antes dos pretendentes estarem aptos a adotarem, a primeira etapa é fazer com que os pequenos aceitem se desvincular da família biológica, fato que, por vezes, é doloroso e pesaroso. 

“Nós vemos o quão importante é preparar uma criança para ser inserida em uma nova família, não são só os pais que precisam se preparar.”

Esther Claudia Siebert Zipf

Caso essa separação não ocorra no tempo e da maneira correta, algumas consequências podem ocorrer, uma delas é a não adaptação à família adotiva, com a devolução das crianças. A assistente social explica que, às vezes, é apenas na prática que os adotantes percebem as dificuldades do dia a dia ou, até mesmo, a criança, por não ter se desvinculado totalmente da família biológica, faz de tudo para que a relação com a nova família dê errado. Quando casos como esse acontecem, a assistente social admite ser um momento de reflexão sobre o que poderiam ter feito de forma diferente para o fim ter sido outro. “Nós da equipe sofremos muito, assim como os pais e, principalmente, a criança.”


Por esse motivo, existe o chamado “período de namoro”, que ocorre quando o sistema sugere um pretendente, ele então é informado de que há uma criança/adolescente compatível com o perfil definido, isso ocorre por meio de uma ligação telefônica. Durante o contato, surge o questionamento acerca da vontade da família conhecê-la e, a partir disso, inicia o período de aproximação. No entendimento de Esther, esse tempo precisa ser muito planejado e nunca feito às pressas, pois é nele que o vínculo, a saudade e o carinho começam a ser criados. “Isso é importante, pois quando a criança vai para a casa do pretendente e os problemas começam, é preciso existir um vínculo estabelecido para que, no primeiro problema que aparecer, a família não pense em desistir”, evidencia.


Quando decidem que realmente desejam adotar após o “período de namoro”, que varia de caso para caso, a juíza determina a Guarda para Fins de Adoção. Dessa forma, passam para o estágio de convivência, que dura aproximadamente de 30 a 90 dias. Durante essa etapa, Esther é a responsável por acompanhar todo o processo e, ao fim, faz um relatório concluindo se a adoção traz ou não benefícios para a criança. “Se realmente deu tudo certo, o processo de adoção é finalizado por meio de uma audiência.”

Infográfico 2
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Resultado de uma construção ao longo dos anos

Grupo

Especialista em psicopedagogia fala sobre a importância do Grupo de Estudos e Apoio à Adoção

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Geaap: Rejeane

trabalha com os

pretendentes

temas que

antecedem e

sucedem a

adoção. Foto:

Arquivo pessoal

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A partir do momento que uma família decide entrar para a fila de adoção, alguns passos precisam ser tomados. Um deles é a participação no Grupo de Estudos e Apoio à Adoção de Pomerode (Geaap), projeto que iniciou na cidade em 2010 e tem como objetivo preparar os pretendentes à adoção para a chegada dos seus filhos e, posteriormente, auxiliá-los nas dúvidas e dificuldades durante o processo de adaptação familiar.  


Desde 2015, a coordenação do grupo fica a cargo da Rejeane Cristina Rahn Menegatti, psicóloga de formação e pós-graduada em psicopedagogia. De acordo com ela, o objetivo principal do Geaap é preparar, acompanhar e esclarecer dúvidas acerca do processo da adoção e da individualidade e subjetividade de cada família, além de acompanhar, orientar e auxiliar nas dificuldades presentes na adaptação familiar dos pais por meio da adoção.


Nos encontros mensais, são trabalhados temas que antecedem e sucedem a adoção. De um lado, são abordados os preconceitos existentes com relação à adoção, a ansiedade das famílias para a chegada de seus filhos, o preparo afetivo, financeiro e de familiares, o processo de filiação, maternidade e paternidade. 


De outro, há a explicação sobre a organização após a chegada da criança ou adolescente, como estabelecer uma rotina familiar, dificuldades escolares, desenvolvimento infantil e comportamentos característicos para cada faixa etária, birras e manhas, traumas infantis e métodos educativos.

“Para quem deseja tornar-se uma família, destaco que será necessário foco, persistência, paciência, tolerância, empatia e doses diárias de amor, pois você nunca mais estará só. Filho, pai e mãe são para sempre”

Rejeane Cristina Rahn Menegatti

Nas páginas anteriores, foi abordada a diferença entre o perfil dos pretendentes e das crianças e adolescentes disponíveis para a adoção, principalmente quanto ao fator idade. Por isso, esse também é um assunto debatido durante os encontros. Como resultado, as famílias estão alterando os perfis cadastrados, ampliando a idade aceita. “No senso comum, quando se fala em adoção, as pessoas remetem abrigos a locais com crianças pequenas (bebês). Para realizar esse trabalho com as famílias, esclarecemos através de pesquisas que o público em abrigos não é de bebês”, esclarece Rejeane.


Além do fator idade, outros quesitos também são discutidos, como a aceitação de grupos de irmãos. No entendimento da assistente social da 1ª Vara da Infância e Juventude da Comarca de Pomerode, Esther Claudia Siebert Zipf, é durante os encontros do grupo que os pretendentes percebem a importância de abrir o perfil. Mesmo assim, alerta que essa decisão não pode ser tomada por impulso. Por isso, há uma avaliação para determinar se a família realmente está preparada para tal mudança. “Eu sempre falo que eles devem chegar ao consenso e decidir aquilo para que realmente estão preparados”, expõe. 


Diante de toda a experiência conquistada por Rejeane, ela deixa um recado para quem deseja se tornar um pretendente à adoção: “Destaco que será necessário foco, persistência, paciência, tolerância, empatia e doses diárias de amor, pois você nunca mais estará só. Filho, pai e mãe são para sempre.”

À espera de uma nova família

Brasil tem 4085 crianças e adolescentes aptos à adoção

Sentimento de rejeição, de insuficiência, de não ser merecedor de um amor tão grande, incomparável e sincero. É isso que muitas das crianças e adolescentes que estão à espera de encontrar uma nova família vivenciam diariamente. 


De acordo com o Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA), do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), até dia 8 de dezembro de 2021, 4.085 crianças e adolescentes estavam disponíveis para a adoção. 4.085 corações de diferentes idades, etnias, regiões e gêneros, mas que compartilham do mesmo anseio: encontrar o amor dos pais. 


Nos gráficos abaixo, é possível conhecer o perfil das crianças e adolescentes aptos à adoção de acordo com características também escolhidas pelos pretendentes. 

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Gráficos

Entre os muros que só a
paciência derruba e os laços que
só a ternura constrói 

Ralf e Darliane Beck compartilham a experiência de construir uma família por meio da adoção tardia

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Recomeço: família Beck aposta na união para enfrentar os desafios e compartilhar as conquistas. Foto: Arquivo pessoal

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O encontro no corredor do Fórum não estava previsto. Houve o chamado período de namoro, preparação, dúvida, lágrimas, aproximação, a certeza de que a adoção era o caminho certo e a programação para oficializar a guarda para fins de adoção, mas o encontro no corredor? Esse não! Foi um capricho do destino, um presente e também um aviso de que, a partir daquele momento, as situações inesperadas seriam muitas, mas, juntos, superariam as adversidades para ser aquilo que os quatro corações haviam escolhido: família. 


A inspetora de qualidade Darliane Baehr Beck, 44 anos, e o assistente técnico Ralf Alexander R. L. Beck, 34 anos, conversaram muito sobre o assunto antes de definir o momento da entrada para o cadastro de pretendentes à adoção. Eles recordam que, durante os trâmites, um dos passos era a sinalização das características aceitas pelo casal, como a idade das crianças que pretendiam adotar. 


Era chegada a hora de realizar o curso preparatório. A conclusão e a consequente certificação ocorreram em agosto de 2019. Depois, chegou o convite para que fizessem parte do Grupo de Busca Ativa e, um dia após aceitar a proposta, as fotos de suas futuras filhas foram enviadas. “Ele bateu o olho nelas e pronto, eu sabia que se encantaria na hora. Em seguida, me enviou mensagem perguntando se eu tinha visto e respondi que elas eram adolescentes, tinham 13 e 15 anos, questionei se ele acreditava que daria certo”, relembra Darliane. 


Em resposta, Ralf argumentou haver uma possibilidade maior de conversar abertamente com adolescentes. Apenas mais um dia se passou até receberem o contato da Comarca de Campo Grande (MS) e precisarem tomar a decisão de levar adiante a intenção de adotar as meninas. O prazo para enviar a documentação era 19 de agosto. “Depois disso, iniciamos as conversas com elas por videochamada, monitoradas pelas responsáveis da casa de acolhimento”, conta Ralf. 

Os diálogos do casal com Valéria Aparecida Beck, hoje com 17 anos, e Kamila Cristina Beck, 15 anos, precisaram de um tempo para fluir. Mas um, em particular, precisou de poucas palavras para fazer todo o sentido. “Tínhamos que fazer uma ligação e não sabíamos o que dizer, então conversei com a Valéria primeiro e a escutei chorando, comecei a chorar também e só consegui perguntar ‘vamos formar uma família?’, ela respondeu ‘sim’”, confidencia Darliane com os olhos marejados e a voz embargada. 


Passaram-se três semanas até que o casal sentiu no coração a mais absoluta certeza de que aquelas eram suas filhas. O apoio com relação à decisão veio de toda família, que ajudou com roupas, conselhos e acolhida. Foi uma época de correria, principalmente para deixar os quartos das meninas prontos para recebê-las.  


O encontro entre pais e filhas estava previsto para ocorrer no Fórum, local que de fato ficou marcado na memória dos quatro de forma especial, não apenas por conta da passagem pelos trâmites necessários, mas, principalmente, por uma situação inusitada. O casal aguardava no corredor quando dois rostinhos, conhecidos por eles através das chamadas de vídeo, surgiram no corredor. Surpresa, Darliane segurou o braço de Ralf e observou as jovens se aproximarem, “mas elas passaram pela gente, até que a Valéria falou para a irmã: ‘Kamila, sua idiota, acho que são eles’”, conta a mãe em meio a risos e lágrimas. 


A emoção tomou conta de todos que estavam presentes. Nasceram naquele instante os primeiros abraços, afagos e momentos de ternura que se repetiriam tantas vezes dali em diante. Mas o início trouxe também turbulência. 

“Tudo que nós fazemos, em primeiro lugar é para elas. Eu, como o único homem da família, sempre levo elas a minha frente”
Ralf Alexander R. L. Beck

Deixar para trás o estado em que nasceram, a cultura que conheciam, o lar de acolhimento que havia se tornado uma casa, além de uma irmã mais jovem por parte de mãe que reside com familiares por parte de pai, fazia com que as jovens tivessem dúvida em seus corações. “No abrigo em que nós estávamos, eles me falaram que tinham pretendentes que queriam me adotar. No começo, eu não quis, mas depois eu aceitei a ideia, porque a Kamila conversou comigo e falou para tentarmos. Quando os conheci, fiquei emocionada por ter um pai e uma mãe, mas também com medo, com o passar do tempo eu fui conhecendo e passando a amá-los”, resume Valéria de forma tímida e profundamente sincera.
 

Após a saída do Fórum, como forma de adaptação, a família passou alguns dias em Campo Grande. Houve muitas lágrimas, receio, mas também persistência, paciência e imensa vontade de acolher. Foi nesse ambiente que Darliane experienciou um dos mais lindos momentos de sua vida. “Elas eram muito quietinhas até então, mas, de repente, a Kamila entrou na cozinha e disse: ‘mãe, tem água?’ Fiquei sem reação e respondi apontando ‘ali’. A palavra mãe tem algo de muito poderoso, houve um momento em que estávamos em grande dificuldade, a Valéria virou para mim e disse: ‘mãe, me ajuda, mãe, me ajuda’. O coração não consegue negar um pedido desses. Assim como a Kamila disse recentemente, não existem famílias perfeitas, todos passam por dificuldades”, confidencia. 

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Para a chegada em Pomerode, os familiares e amigos prepararam uma grande recepção, mas as meninas logo se depararam com as diferenças culturais. Kamila conta que a comida e a música são as principais. “Na primeira vez que as levamos para uma festa de clube de caça e tiro, elas acharam um tédio”, diverte-se Ralf. 

Não demorou muito para que absorvessem um pouco das tradições locais e, no ano seguinte à chegada em Santa       

Foto: Laura Sfreddo

Catarina, participaram, com traje típico e tudo, do desfile da Festa Pomerana. “E ficaram lindas, quando eu vi a Valéria de traje eu quase chorei, tive que disfarçar para não passar vergonha. Como é a minha cultura, ver elas assim é emocionante”, confessa a mãe. Ralf enaltece quanto o papel de pais os transformou. O principal ensinamento veio com a tarefa de ser responsável por outra pessoa e o quanto isso traz o senso de carregar consigo diariamente um objetivo maior de vida. 


Os obstáculos existem e um deles vem com o fato de as jovens serem negras. “Quando chegamos a algum lugar, as pessoas nos perguntam se são nossas filhas, então temos que explicar que são adotivas, mas não gosto disso, pois elas são simplesmente minhas filhas, nasceram do meu coração”. Diante das adversidades, a vontade e o amor surgem como fios condutores pelo caminho da superação. “Ter alguém para chamar de pai e mãe e contar com o apoio a qualquer momento é muito importante. Tudo é para que elas se sintam iguais aos outros, sem diferença nenhuma.”


E assim, com muito respeito, cumplicidade e aprendizado diário, comum a todas as relações de pais e filhos, independente do fato de terem nascido do ventre ou do coração, a família Beck escreve as páginas de sua linda história e ensina: “a adoção tardia precisa ser mais divulgada. Ela é uma grande lição de que o amor é algo que se constrói, foi um passo a passo que hoje me leva a dizer para as minhas filhas que elas realmente são tudo para mim”, conclui Darliane.

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Foto: Arquivo pessoal

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Muito além de promessas, a maternidade em ações 

Alessandra e Tayane transformaram a vida uma da outra por meio da ligação instransponível criada entre mãe e filha

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Construção: na relação de mãe e filha, Alessandra e Tayane encontram apoio, amor e cumplicidade. Foto: Arquivo pessoal

A psicóloga Alessandra Mara Hammerschmidt, de 32 anos, sempre carregou consigo o desejo de se tornar mãe por meio da adoção. Quando sentiu que o momento certo havia chegado, em julho de 2019, deu entrada no pedido de habilitação de forma solo. 


O curso de formação demorou um pouco a acontecer e, dessa forma, se tornou oficialmente uma pretendente cerca de um ano mais tarde. Assim que toda documentação estava completa, recebeu o mesmo questionamento que Darliane Baehr Beck e Ralf Alexander R. L. Beck, cuja história você acompanhou nas páginas anteriores. “Me perguntaram se eu aceitava participar do grupo de busca ativa, então, disse que sim.”


No momento de informar quais características buscava no futuro filho ou filha, Alessandra havia assinalado que uma criança de até cinco anos seria bem-vinda. No entanto, não previu que seu coração de mãe se apaixonaria instantaneamente por uma adolescente prestes a completar 14 anos, Tayane Vitória Hammerschmidt, hoje com 16. “Depois de ver o vídeo dela, não tive mais dúvida: era a minha filha! Busquei saber sobre a história da Tay, como faria para me aproximar e assim por diante”, revela em meio a um largo sorriso. 

O primeiro contato com a adolescente foi estabelecido por meio de outro vídeo. Nele, Alessandra contou um pouco sobre si e perguntou a Tayane se as duas poderiam começar a conversar. Diante da resposta positiva, passaram às videochamadas. Cerca de 500 quilômetros separavam mãe e filha naquele instante, então a logística para os encontros presenciais precisou de muita organização. 


Para a primeira visita à filha, a decisão foi a de fazer uma surpresa com a ajuda da assistente social. Alessandra fez uma videochamada e quando Tayane atendeu, percebeu que a mãe estava do lado de fora do abrigo. “Ela olhou e falou para a assistente ‘tia, ela está aqui’ e foi correndo portão afora para me abraçar. Essa foi a primeira grande surpresa que eu fiz para ela.”


A primeira, mas não a última. O período de aproximação entre elas continuou, Tayane passou um fim de semana na casa de Alessandra e, mais tarde, outro período de cinco dias. As duas oportunidades tiveram tons diferentes. Na primeira, a programação envolvia passeios e uma festa de aniversário. Já na segunda, Alessandra seguiu com sua rotina normal para que a filha entendesse de que forma seria o cotidiano das duas. “Eu fui trabalhar e ela ficou com a minha mãe, mantivemos as atividades, a rotina de família”, revela. 


Foi no dia 26 de outubro que a segunda grande surpresa de Alessandra para Tayane aconteceu. Com todos os trâmites judiciais acertados, era chegado o momento de buscar a filha para morar definitivamente com ela. Um momento marcado pela emoção e que resultou em um vídeo guardado pela mãe com muito carinho. 

“Tem uma frase da qual gosto muito - você ama seu filho biológico porque ele é seu filho, e o filho por adoção, é seu filho porque você o ama”
Alessandra Mara Hammerschmidt

Um importante capítulo da história de ambas começava ali e o roteiro ainda estava recheado com grandes desafios, que exigiriam dedicação e paciência. Antes de entrar na vida de Alessandra, Tayane passou por duas devoluções, ou seja, processo que ocorre quando a família pretendente desiste da adoção. A experiência deixou nela algumas marcas difíceis de apagar. Alessandra conta que o maior desafio foi o de fazer com que a filha entendesse que chamar a atenção, dizer “não” e orientar não eram sinônimos de falta de amor ou sinais de desistência. “Foi um trabalho de formiguinha, de mostrar para ela que eu não iria devolvê-la. Não importava o que acontecesse, ela era minha! O maior desafio foi fazer com que ela entendesse o que é uma família, que eu iria lutar, que não desistiria dela.” 

 

Para isso, Alessandra precisou ir muito além das palavras, foi com ações que comprovou à filha como os laços formados entre as duas eram indissolúveis. Nesse contexto, ela mesma necessitou de tempo para entender e saber como reagir às atitudes da adolescente. “Chegou um momento em que ela era muito mais próxima da minha mãe do que de mim. Isso tinha relação com o papel que eu representava. Eu era a quarta pessoa que ela chamava de mãe, e as mães a abandonaram, tanto a biológica quanto as duas adotivas. Como então ela poderia acreditar no que eu dizia, que seria diferente, se outras já tinham feito exatamente isso?”, contextualiza Alessandra. 

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Foto: Arquivo pessoal

O remédio para isso foi a resiliência diária de mostrar, segundo a segundo, que Tayane fazia parte de uma família que a amava e lutaria por ela, não importava qual fosse o desafio. A vitória chega aos poucos, em pequenas mudanças no comportamento. A adolescente que antes era agitada e buscava atenção constante, agora demonstra tranquilidade, responsabilidade e tem no olhar o brilho da alegria. A mãe revela que Tayane conseguiu absorver o que significa poder contar sempre com alguém, “qual é a hierarquia dentro da família. Ela tem voto dentro da casa, tem opiniões e que elas serão aceitas, mas existe uma hierarquia, eu sou mãe e ela é filha, nossos papeis não são iguais. Eu tenho os meus direitos e deveres como mãe e ela os mesmos como filha”.


O processo de aprendizagem foi transformador para ambas, Alessandra revela que ser mãe lhe ensinou muito, inclusive a ser mais flexível e tolerante. Ela orienta para que os pretendentes à realizar adoção tardia leiam e se informem muito, que tenham paciência, persistência e contem sempre com ajuda especializada. É importante ter em mente que haverá dificuldades, assim como ocorre também na criação de um filho biológico. Haverá altos e baixos, “mas os momentos bons ultrapassam em muito os ruins. Para mim, ter uma família por adoção significa colocar o amor acima de tudo, do preconceito, da opinião alheia e assim por diante. Tem uma frase da qual gosto muito: você ama seu filho biológico porque ele é seu filho, e o filho por adoção, é seu filho porque você o ama.” 

Alessandra
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Karol

transbordar do amor que faz florescer novas famílias  

Karol Pinto fala sobre a missão de ser cegonha para unir pais e filhos que aguardam pela dádiva da adoção 

O começo: registro marca os primeiros passos dos três irmãos ao lado dos pais Jonathan e Karol. Foto: João Danilo Almeida

Nas reportagens anteriores contadas nesse multimídia, você conheceu as histórias da família Beck e de Alessandra e Tayane, provavelmente, notou que ambos os processos tomaram seu caminho a partir da atuação de um grupo de busca ativa. Além disso, há mais um detalhe que conecta essas histórias, a participação de alguém que após experienciar o amor de mãe em dose tripla, escolheu para si a missão de ser cegonha, unindo pais e filhos que só aguardavam uma ajudinha para se transformarem em família. 


Foi no dia 18 de agosto de 2017 que Karol Pinto e o empresário Jonathan Roloff se tornaram pais de Ana Vitória, hoje com 14 anos, Tales, de nove anos e Maria Eduarda, sete anos. O coração do casal, assim como o perfil assinalado no momento da habilitação, estava totalmente aberto às opções que o destino lhes encaminhasse. “Estávamos habilitados há 13 dias quando recebemos a ligação falando sobre os nossos filhos. Não pedimos sequer fotos. Sempre dissemos que não interessava o rosto ou as características físicas e que, no momento que recebêssemos o contato, seriam nossos filhos, essa certeza nós tínhamos”, conta. 


O casal foi até o Fórum, conversou com a assistente social e logo seguiu para o abrigo onde o trio de irmãos ficou por dois anos e meio. A partir daí, a história tem como pilares a acolhida, a entrega, a resiliência e muito, mas muito amor. No entanto, engana-se quem pensa que a ligação de Karol com o universo adotivo parou por aí, a dedicação à causa estava só começando. 


Ela explica que o processo de se tornar mãe é semelhante tanto para gestações que iniciam no ventre quanto para aquelas geradas no coração, pois, em ambas, há pesquisa, dúvidas, estudo e preparação. “O que fez com que tivéssemos segurança é que mergulhamos nesse mundo, e o universo adotivo é encantador. Costumo dizer que nós precisamos construir uma cultura adotiva. Como seres humanos, a gente se adota, adota nossos amigos, nossa profissão, nossos relacionamentos, então é só uma forma distinta de exercer a maternidade e a paternidade, mas que não é inferior a nenhuma questão biológica”, contextualiza.  

Quando ainda passava pela preparação para a chegada dos filhos, Karol conheceu um grupo de busca ativa que também funciona como um ponto para troca de experiências das fases de pré e pós-adoção. Cerca de 90% dos participantes são candidatos ou pais e mães por adoção, há também apoiadores e profissionais da área. Após receber os filhos em casa, ela começou a compartilhar as experiências, alegrias e desafios com integrantes de grupos como esse. Até chegar o momento em que decidiu dar um passo a mais. “Tive uma conversa com representantes do Judiciário e do Ministério Público sobre a forma como é feito o trabalho da busca ativa. Comecei então a desempenhar o que a gente chama no universo adotivo de uma ‘missão cegonha’, que é tentar cruzar as histórias de quem aguarda ser adotado com as de quem deseja adotar”, afirma. 


Ela explica que os técnicos das comarcas identificam crianças e jovens que não estão conseguindo inserção em famílias. A partir daí, com a autorização prévia do Judiciário e do Ministério Público, eles têm um pouco da história contada para pretendentes devidamente habilitados. Há regras muito claras para os participantes, por exemplo, os dados das crianças e jovens não podem ser compartilhados fora do grupo. O vazamento dessas informações configura crime. A intenção é garantir o bem-estar e a privacidade das crianças, e “ao mesmo tempo oportunizar que elas tenham essa visibilidade”.

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Compartilhar: dentre as ações realizadas em Pomerode para promover o apoio à adoção, esteve o Piquenique promovido pelo Geaap. Foto: Divulgação/Redes sociais

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Karol desempenha a função de forma voluntária, assim como as inúmeras cegonhas espalhadas pelo país. A luta é constante e árdua, mas a recompensa por cada adoção que contou com um pouco de sua dedicação se torna imensa. “É como se houvesse a necessidade de exercer a gratidão pelos filhos maravilhosos que recebi, e fazer com que outras crianças que estão acolhidas em abrigos, esquecidas, passem a ter voz e ganhem visibilidade.”


Ela conta que o caso mais difícil em que atuou envolvia dois irmãos, um deles com 17 anos de idade. Eles estavam sendo preparados para a separação quando o trabalho incansável de cegonhas e mães conseguiu encontrar um lar para ambos. A experiência teve em si um toque muito pessoal para Karol. Isso porque, Ana Vitória, a filha mais velha, tem uma diferença de idade considerável para os dois irmãos menores (quando se pensa nos obstáculos para a adoção de irmãos). A menina também já estava sendo preparada para a possibilidade da separação e, mais tarde, contou tudo isso à família. “Ela sabia, imaginava e verbaliza isso, de que ela iria ser separada dos irmãos e depois, com 18 anos, tentaria reunir a família de novo.”


Evitar dores como essa, para crianças e jovens que já enfrentaram tamanhos desafios, é a força motriz que comanda os grupos de busca ativa. O esforço é coletivo, nacional e incessante. “A cada adoção com a qual conseguimos contribuir, por conta da rotina que levamos, acabamos desacelerando um pouco. Mas quando surge uma nova busca ativa no nosso grupo de cegonhas e olho para aquela foto, não consigo ficar quieta, preciso tentar. E aí começamos, não só no grupo aqui, mas acaba se espalhando em todo Brasil. Há adoções das quais participei nessa forma de busca ativa e que nem conheço presencialmente as pessoas, nem as crianças e nem os pretendentes. Cada história que dá certo traz um sentimento de dever cumprido”, enaltece.

Com a consciência de quem enxerga na adoção uma decisão muito séria, Karol orienta que as pessoas pesquisem muito antes de decidir por esse caminho. Nesse quesito, em seu entendimento, não há lugar para a impulsividade. “São vidas, então tenham certeza. Conversem, busquem auxílio, se possível até mesmo um preparo psicológico, façam parte de grupos de adoção, leiam a respeito, busquem conhecimento, tratem a adoção com todo o zelo que ela merece, porque nós somos os adultos da relação”, orienta. 


Todo esse cuidado, inclusive os passos que envolvem a habilitação para a adoção, têm por objetivo minimizar possíveis devoluções. Karol pede para que as pessoas tenham em mente as situações pelas quais as crianças que aguardam por novas famílias já passaram. Há feridas que precisam de muito tempo, carinho e apoio para cicatrizar. “Poucas vezes expusemos essa situação, mas os meus filhos vieram de uma aproximação interrompida. Por duas vezes, passaram pelo sentimento de não pertencimento, de rejeição e de culpa, porque eles se responsabilizam muito por tudo que aconteceu, mesmo não tendo culpa alguma. Eu poderia romantizar, mas a realidade não é essa. Então eu pediria para que, se há a menor dúvida, não adotem. E que, além disso, no momento da decisão de formar uma família por adoção, haja um preparo para todas as dificuldades e inúmeras bênçãos que irão surgir ao longo desse processo”, salienta. 

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Foto: Divulgação/Redes sociais

Ela encerra com uma reflexão acerca da adoção tardia e da construção do amor sem barreiras como idade, gênero, raça ou de outras concepções enraizadas. “No universo adotivo, não existe essa de perder as primeiras vezes, se eu não vi o primeiro passo ou o primeiro dentinho, sou eu quem levo ao dentista quando foi pego desprevenido por uma bolada, sou eu quem está lá na primeira vez que vai para uma festa, uma baladinha, então, as primeiras vezes acontecem e vão acontecer para o resto da nossa vida.”

Leo

olhar de quem recebe uma segunda chance para ser feliz

Leonardo Bodenmüller foi adotado com dois anos e meio e expõe o que isso significou em sua vida

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Oportunidade: Leonardo foi adotado quando tinha dois anos e meio. Foto: Laura Sfreddo

Durante todo o Caderno Especial, foi possível conhecer os relatos daqueles que estão à espera de encontrar o filho tão desejado, quem conquistou essa dádiva e de envolvidos em diversas fases do processo de adoção. Mas, quando falamos nesse assunto, nem sempre nos atentamos à experiência daqueles que já estiveram do outro lado dessa fila, esperando para serem adotados. 


O que sentem ao olhar para os pais que lhe deram uma nova chance de ser feliz? Para aqueles que lhe mostraram o amor, foram compreensivos, sinceros e carinhosos e, ainda por cima, lutaram e lutam com todas as forças para fazer com que os traumas, tão presentes no passado das crianças e adolescentes que já estiveram disponíveis para a adoção, ficassem para trás?


Essas diversas emoções e também o sentimento de gratidão são relatadas por Leonardo Bodenmüller, de 22 anos, um entre milhares de jovens adotados no Brasil. Foi em 2002, quando tinha dois anos e meio, que Leo ganhou a chance de ter uma família. 

Kátia e Silvio Bodenmüller já tinham uma filha, de 10 anos, quando entraram para a fila de adoção, em maio de 2002. Em agosto do mesmo ano, foram avisados sobre a possibilidade de adotar Leo e não pensaram duas vezes. Como era muito pequeno, ele não recorda dos primeiros momentos com os pais e a irmã. A memória começa a se tornar vívida quando tinha em torno de três a quatro anos. Dessa época, lembra das festas de aniversário, das visitas rotineiras dos avós e também de acompanhar o pai enquanto ele roçava a grama de casa. 


Em 2007, quando Leo tinha sete anos, os pais adotaram uma menina da mesma idade. O detalhe de estarem na mesma fase poderia ter se tornado um problema para a convivência da família. No entanto, foi justamente o contrário. “Ela era mais no canto dela e eu no meu. Imagino que para ela foi mais complicada a adaptação, porque já era mais velha e tinha lembranças da família de origem, mas para mim foi mais tranquilo”, recorda.


Pouco tempo depois, em outubro de 2008, Leo recebeu a vinda de um novo irmão na família, dessa vez um menino de dois anos. Sobre as adoções feitas pelos pais, admite que nunca avisavam quando isso ocorreria e vinham com a surpresa, mas “sempre era natural e nós recebíamos como irmãos, por isso acabamos nos adaptando”.


Agora, olhando para trás, percebe a importância de ter tido a oportunidade de ser adotado. “Significa tudo pra mim. Ter uma família, receber carinho e amor. É incrível, fico até emocionado, não tenho nem como agradecer”, confessa. 

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Família: da infância, Leo recorda das festas de aniversário, visitas dos avós e de roçar a grama de casa com o pai. Foto: Arquivo pessoal

Vendo o homem que se tornou, entende que, se não fosse pelos pais, seria uma pessoa completamente diferente. Das tantas lições que aprendeu com eles, a que mais lhe marcou ocorreu ainda na infância. Leo sempre teve o costume de se rebaixar, porém foi aprendendo aos poucos o valor que tinha.

“Eu via as crianças fazendo as atividades da escola e me achava muito burro, acreditava que não ia conseguir, mas meus pais sempre me motivavam e me davam todo o apoio necessário.” 

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Por isso, ao analisar toda a trajetória que teve e também a dos seus irmãos, pensa, com toda a certeza, em seguir os caminhos dos pais e adotar também. Para as famílias que desejam se tornar pretendentes, mas ainda estão com receio, ele afirma para não esperar e fazer o quanto antes. Mesmo que há insegurança pela criança e adaptação, há muitos corações que precisam de amor, carinho e merecem um lar e uma família. 


Para Kátia e Silvio, os pais que lhe deram tudo o que precisava, ele finaliza com um recado mais que especial: “Pai e mãe, a gratidão que eu tenho por vocês é do tamanho do céu, não dá para contar. Eu amo muito vocês, do fundo do meu coração.”

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Expediente

Diretor geral: Ismael Ewald Limberger

Jornalista responsável: Janaina Possamai (MTB 4359SC)
Auxiliar de redação e edição digital: Laura Sfreddo 
Revisão: Sandra Regina Raduenz Rohda e Marta Rocha
Vídeos, podcasts, gráficos e infográficos: Gabriel S.

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